Segundo o mais recente estudo realizado pela Associação Brasileira das Empresas de Limpeza Pública e Resíduos Especiais (Abrelpe), a produção de resíduos sólidos tem avançado muito rápido no Brasil, chegando a cerca de 79 milhões de toneladas entre 2018 e 2019. Se continuar nesse ritmo, a tendência é que alcance 100 milhões de toneladas/ano até 2030, como aponta o relatório.

Dados do Fundo Mundial para a Natureza (WWF, da sigla em inglês) mostram que o Brasil já é o quarto maior produtor de lixo no mundo, com a geração de 1,15 kg/dia de resíduos por habitante. E, apesar desse volume exorbitante, a porcentagem de material reciclado ainda é extremamente reduzida, de apenas 1,28% do total produzido. Nesse quadro, a destinação dos resíduos vem se tornando uma preocupação crescente – mas também uma oportunidade – para diferentes segmentos da sociedade.

Um bom exemplo é a construção, um dos setores que mais contribuem para a produção de resíduos. De acordo com Hewerton Bartoli, presidente da Associação Brasileira para Reciclagem de Resíduos da Construção Civil e Demolição (Abrecon), cerca de 50% a 70% da massa de resíduos sólidos urbanos são oriundos da atividade [leia mais em matéria desta edição]. Desse montante, cerca de 70% são provenientes de reformas, enquanto os 30% restantes são originários da construção formal. “A construção civil ainda não consegue dar o tratamento adequado para os resíduos”, comenta. “Sendo assim, é necessário pensar nos impactos dessa situação no médio e curto prazo.”

 

ENTULHO

Esclarecendo a diferença entre os resíduos, Bartoli explica que o RCD (Resíduo de Construção e Demolição) pode ser classificado em quatro classes. A primeira (A) consiste basicamente em resíduos de alvenaria e concreto, que representam de 60% a 80% do entulho gerado em uma obra e são passíveis de beneficiamento (a classe B inclui recicláveis como gesso, papel, plástico, madeira, metais e vidros, enquanto os não recicláveis são considerados da classe C e os resíduos perigosos, da classe D).

Desse modo, o especialista ressalta que a construção abre oportunidade de reinserção dos resíduos que produz. “É possível transformar concreto e alvenaria em brita reciclada de diferentes granulometrias (desde areia até rachão), que pode ser aproveitada na própria construção para geração de agregados sem função estrutural”, afirma.

Bartoli destaca que a construção não dá tratamento adequado aos resíduos, enquanto Alves reforça que o reaproveitamento evita descarte inadequado e gera renda.

De acordo com Jerri Alves, superintendente do Grupo MBL, que atua com extração e comercialização de pedras, a construção já faz o reaproveitamento integral de algumas matérias-primas, como ocorre com rochas de gnaisse comercializadas na forma bruta, mas que também podem ser transformadas em grãos e pó de brita. “Essa utilização completa da rocha evita o descarte inadequado de resíduos e gera maior rentabilidade para as empresas especializadas na fabricação e venda desses produtos”, observa. “Afinal, o reaproveitamento permite fabricar vários produtos que podem ser empregados em uma obra.”

Nesse sentido, o pó de brita pode ser utilizado em usinas de asfalto, construção de calçamentos e produção de concreto com maior refino, assim como argamassa para pisos e pré-moldados, por exemplo. “Já os variados tipos de brita podem ser empregados na confecção de tubos, jateamento em túneis, blocos de concreto intertravado, vigas, vigotas, colunas, lajes, pisos espessos e fundações, dentre outros usos”, enumera Alves.

 

INSTRUMENTO

Todavia, a construção não está sozinha nessa tarefa. Após a criação da Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS), há dez anos, o mercado de reciclagem começou efetivamente a crescer. Hoje, existem aproximadamente 350 recicladoras no país, com uma capacidade média de 5.000 m³/mês, o que representa uma capacidade instalada de 25% do que é gerado. “Porém, grande parte trabalha com menos de 50% da sua capacidade”, diz Alves. “Ou seja, somente 10% do que geramos é reciclado. E ainda há um longo caminho pela frente.”

Para Sarrouf, acordos setoriais têm impulsionado a logística reversa, mas McKee acredita que a circularidade depende de maior conscientização da sociedade.

Ao menos essa necessária caminhada já começou. Para a coordenadora técnica do Comasp (Comitê de Meio Ambiente do SindusCon/SP), Lilian Sarrouf, as diretrizes da PNRS são amplas, tendo como prioridades a não geração, redução, reutilização, reciclagem, tratamento e disposição final ambientalmente adequada dos rejeitos. “Vêm ocorrendo avanços na questão da logística reversa, principalmente por meio de acordos setoriais”, diz ela. “Além disso, sistemas de gestão de resíduos estão sendo implantados nos municípios, auxiliando na rastreabilidade.”

No entanto, a especialista concorda que há uma morosidade excessiva na implantação da PNRS pelos agentes públicos, como evidencia a prorrogação dos prazos para fechamento dos aterros irregulares. “Nem sempre os municípios têm estrutura para a gestão dos resíduos sólidos”, pondera. “Isso precisa ser melhorado, tanto em aspectos técnicos e administrativos, como financeiros e de fiscalização.”

Na mesma linha, Bartoli concorda que a cultura de reutilização vem se desenvolvendo no país nos últimos anos. A inserção de agregados reciclados em tabelas nacionais e regionais, além da criação do MARE (Manual de Aplicação do Agregado Reciclado), com mais de 50 tipos de aplicações, mostram isso. “Essas ações têm contribuído bastante para fomentar mais vendas por parte dos empreendedores, além de conscientizar os gestores públicos”, avalia o especialista, que todavia vê um mercado ainda incipiente. Tanto que o desperdício segue como norma, com índice médio de 20% a 30% na construção. “Precisamos nos equiparar a outras indústrias, como a automobilística, que desperdiça menos de 1% dos seus materiais”, defende.

Nesse processo, o especialista acredita que os efeitos da pandemia podem acelerar o desenvolvimento dos métodos construtivos, estimulando a utilização de material reciclável, por exemplo. “Ao pensarmos mais na reutilização dos resíduos, cresceremos como mercado e como sociedade”, projeta Bartoli.

Para Sarrouf, a construção tem se esforçado para criar um novo olhar sobre a reciclagem. Até porque o setor está mais consciente dos ganhos econômicos potenciais embutidos na destinação, reutilização e reciclagem dos resíduos, o que tem ajudado a disseminar a cultura da economia circular. “Antes, a preocupação era achar um local para destinar os seus resíduos”, ela afirma. “Hoje, já se procuram destinações que privilegiem a reutilização e a reciclagem.”

 

RESPONSABILIDADE

Mas é preciso acelerar. Para tanto, o especialista Ian McKee, CEO da Solidos, uma plataforma B2B para gestão de resíduos, ressalta que a implementação de conceitos de circularidade depende diretamente de uma maior conscientização da sociedade. “Em economia circular, o governo não é o player mais importante”, comenta. “Pelo contrário, é necessário ter uma gestão descentralizada, que possibilite criar um sistema independente e autossuficiente.”

Na construção, o principal gargalo está no processo de separação dos resíduos, a triagem. Ocorre que a maioria das empresas faz a segregação manual do material, com pouca produtividade e eficiência. No entanto, já se percebe uma adoção crescente de ‘picking stations’ (estações de coleta) e de novos equipamentos, capazes de otimizar esse processo. “A britagem em si é o processo mais simples”, comenta Bartoli. “Em obras de demolição e infraestrutura a britagem móvel ganha destaque por conseguir o resíduo no próprio local de geração, evitando custos com transporte e destinação, além de reduzir o consumo de agregados virgens.”

Por sua vez, Sarrouf destaca que a separação dos resíduos nos canteiros pode ser feita por meio de caçambas, bags e baias, instrumentos que auxiliam no processo de separação e facilitam o processo de reciclagem nas centrais de triagem. “Mesmo que ainda de forma reduzida, as centrais de triagem têm investido em processos de separação mecanizada, que aumentam a velocidade e a capacidade de separação dos resíduos quando isso não é possível no local de geração”, diz.

De acordo com a PNRS, ela acrescenta, a cadeia produtiva tem responsabilidade compartilhada no processo, cada um com sua parcela de contribuição, o que vale desde o gerador, que deve fazer a separação do resíduo e garantir a destinação final adequada. “Já os transportadores precisam estar devidamente regularizados e zelar pelo envio aos destinatários licenciados, que devem dar o tratamento ambiental para cada resíduo”, conclui Sarrouf.

 

Tecnologia auxilia na reciclagem de RCD

No ano passado, a Máquina Solo forneceu dois equipamentos da MB Crusher para a implantação de um novo projeto de reciclagem de RCD em Brasília. Aplicada na fase inicial do processo, a caçamba-peneira realiza o peneiramento primário para remoção de frações finas (menores que 50 mm) do resíduo, enquanto o britador móvel da marca RM processa o restante do material. “Os testes começaram em março de 2019 com três mil toneladas”, relata Maycon Pereira, diretor da Máquina Solo. “Em dezembro, a operação alcançou mais de 15 mil toneladas processadas.”

Em outro case, a empresa voltou a empregar a caçamba-peneira em um projeto gerenciado pela empresa Ambiente Urbano, em conjunto com a Prefeitura da cidade de Ipeúna (SP), visando eliminar um passivo de 30 mil m³ de RCD depositados em um ‘bota fora’, local onde são descartados os materiais advindos de obras. “O equipamento fez a separação de todas as impurezas, como madeira, plásticos e metais, obtendo um produto beneficiado para reutilização em obras de reaterro, cobertura de valas e pavimentação das estradas municipais”, comenta o executivo.

 

Entidades lançam frente de recuperação energética de resíduos

Surgida de um acordo entre a Associação Brasileira de Cimento Portland (ABCP), Associação Brasileira de Empresas Tratamento de Resíduos e Efluentes (Abetre), Associação Brasileira do Biogás (ABiogás) e Associação Brasileira de Empresas de Limpeza Pública e Resíduos Especiais (Abrelpe), a ‘Frente Brasil de Recuperação Energética de Resíduos’ (Fbrer) busca desenvolver alternativas sustentáveis para destinação das mais de 79 milhões de toneladas de resíduos sólidos urbanos produzidas por ano no país, que têm potencial de gerar de 14.500 GWh/ano de energia elétrica por processos de tratamento térmico e movimentar investimentos de até R$ 15 bilhões a partir da implantação de diferentes tecnologias.

“O acordo busca estimular políticas públicas e ações práticas para assegurar o encerramento das unidades inadequadas (lixões e aterros controlados), viabilizar a estruturação de novos projetos, com economia de escala e sustentabilidade financeira, e facilitar a comercialização e uso da energia gerada a partir dos resíduos sólidos”, comenta Carlos Silva Filho, diretor presidente da Abrelpe.

 

fonte: http://www.grandesconstrucoes.com.br/Noticias/Exibir/um-novo-olhar-para-a-reciclagem